São narrativas das experiências e existências que se manifestam em gestos múltiplos que revelam, assim, possibilidades de re-existências.

O corpo (individual/comunitário) torna-se âncora da visibilidade das textuações: a fala, o gesto, a produção de um tempo de vida comum nas experiências do cotidiano. O pensamento não é produzido só pelas palavras, mas pelo corpo em sua vinculação com o entorno ético e existencial, portanto na relação concreta entre homem e natureza. O transbordamento se faz pelo corpo. As textuações não se limitam aos discursos entre locutor e ouvinte, revelando-se também pela memória, pela construção imaginativa, pela relação do homem com a natureza (profundamente inóspita muitas vezes). Desta cosmografia nasce um pensamento que produz e revela textuações sobre mundos possíveis.

Do desconhecimento sobre os mundos e os fins na era do Antropoceno, onde Gaia passa a ser pensada como corpo pluridimensional, coloca-se, então, reflexões oriundas da África (sempre envolta em muitos silêncios), já que uma das faces mais perversas das consequências das transformações climáticas é a fome real que se abate sobre os povos desassistidos historicamente e deliberadamente esquecidos. A fome desaba sobre o corpo, que perde forças, impede a ação, produz a paralisação, ou seja, introduz uma fissura irreparável no modo de ser/sentir ancestral desses povos. Assim, diante da fome que se abate sobre seu território, como se colocam frente ao fim, aos fins, aos mundos?

A ideia central é a partir de mitologias duradouras existentes nos lugares de vivência mostrar mitologias do presente como possibilidade de re-existências. Delas talvez possam surgir outras formas de pensar a existência, a partir de outros sonhos possíveis. Contar histórias e mais histórias que falem desses seres humanos/míticos/presentes/passados/ancestrais/permanentes/imanentes é, podemos afirmar inspirados por Kernak (2020, p. 27), “adiar o fim do mundo”. Contar uma história, por outro lado, coloca em destaque o múltiplo significado do verbo: contar é falar, produzir uma verborragia que religa mundos e tempos, mas também é estar juntos, “contar com o outro”. Contar, por fim, é somar, multiplicar, realizar operações que podem ser mais ou menos, mas para as quais podemos produzir a multiplicação. Se pudermos fazer isso, estaremos igualmente “adiando o fim”.

A partir das textualizações recolhidas e produzidas, constrói-se textuações, ou seja, modos de percepção de vidas conectadas em outras bases, do qual o princípio de “poder contar uns com os outros” pode ser a liga entre existências passadas e futuras. É pela criatividade, pela poesia, dos que não são iguais. Somos diferentes, mas podemos nos direcionar para pontos de contato, para diálogos presentes-passados, para a denúncia das condições de existência, para a comunicação das possibilidades das diferenças para construções de ações e imaginações suplantando um presente, por vezes, por demais cruel.

O resultado está no ato escutar/registrar histórias atemporais, filosofias imemoriais, memórias da re-existência, nas quais a transcendência sobre determina a imanência, falando das dores e das esperanças, das tragédias e da alegria, de um mundo possível como ação/textuações. Estas não podem ser visualizadas como uma outra mitologia adequada a um presente de medos e incertezas?

Textuações que emergem da falta, da dor e, tantas vezes, da fome. Sonhar, por vezes, é mais eficiente do que achar que só se pode transformar por ações concretas. Os sonhos nos conectam a outros mundos, outras possibilidades, outros territórios. Que renovam existências.

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